Publicado em: 7 de abril de 2024
Foto: Lucas Gabriel Diniz/Agência ALDados da Organização das Nações Unidas e do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, apontam que uma em cada 68 pessoas no mundo possui o Transtorno do Espectro Autista (TEA). No Brasil ainda não há dados consolidados sobre a incidência, mas estima-se haver cerca de 2 milhões de autistas no país.
Estes números, entretanto, podem ser ainda maiores, tendo em vista a crescente procura por pessoas que têm procurado atendimento especializado para identificar o transtorno já na vida adulta, o chamado diagnóstico tardio.
Em Santa Catarina, uma das bases de dados que oferece um panorama do autismo é a Carteira de Identificação do Autista, expedida pela Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE). De fevereiro de 2020, quando foi lançada, até março de 2024, 18.144 pessoas com TEA já foram beneficiadas com o documento.
Nas 245 instituições especializadas credenciadas à FCEE, atualmente são atendidas 23.452 pessoas com TEA, sendo 11.117 educandos de até cinco anos de idade; 9.369 entre seis e 17 anos; e 2.966 acima de 18 anos.
Outra referência catarinense é o sistema Educação na Palma da Mão da Secretaria de Estado da Educação, que revela o painel do total de matrículas, turmas e escolas da Educação Básica da rede estadual de ensino. Em 2024, do total de 541 mil estudantes matriculados em Santa Catarina, 5.372 são de estudantes com diagnóstico de TEA. Destes, 3.927 estão no Ensino Fundamental e 1.395 no Ensino Médio.
Na Assembleia Legislativa, a questão tem ganhado evidência sobretudo durante o chamado “Abril Azul”, reconhecido oficialmente como o período voltado à mobilização da sociedade para os temas ligados ao autismo.
Na sessão plenária da manhã desta terça-feira (3) o deputado Dr. Vicente Caropreso (PSDB), que preside a comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência, afirmou que cada vez mais pessoas têm sido diagnosticadas com o transtorno, especialmente na infância, mas também na vida adulta, o que representa um desafio para a manutenção do atendimento prestado pelo poder público. Neste sentido, ele afirmou que a Assembleia Legislativa segue comprometida em empreender ações voltadas a este segmento da população.
“Vivenciamos um crescimento exponencial do diagnóstico do TEA aqui em Santa Catarina e também no Brasil, algo que vem desafiando as autoridades. Temos que criar e aperfeiçoar as políticas públicas. É uma questão de Estado, de enfrentamento. E o nosso mandato, assim como esse Parlamento, têm um compromisso com a causa autista, e em ser parceiro de AMAs e Apaes.”
Em pronunciamento recente, o presidente da Alesc, deputado Mauro de Nadal (MDB), ressaltou que a defesa dos direitos das pessoas com autismo está em pauta permanentemente no Legislativo estadual. “Debater o autismo é fundamental para construirmos uma sociedade mais justa e respeitosa. E essa é uma causa que conta com o nosso apoio.”
Legislação protetiva
A própria Carteira de Identificação do Autista, estabelecida na Lei 17.754/2019, partiu de uma proposição apresentada por Mauro de Nadal. O documento garante aos autistas acesso prioritário em todos os estabelecimentos privados e órgãos públicos.
Nadal também é autor da Lei 18.686/2023, que estabelece como indeterminado o prazo de validade dos laudos médicos para autismo e outras deficiências permanentes. Até então, tais laudos precisavam ser renovados anualmente, gerando transtornos e custos às famílias. A iniciativa também foi subscrita pelos deputados Julio Garcia (PSD), Sérgio Guimarães (União) e Dr. Vicente Caropreso.
Caropreso figura ainda como proponente da Lei 18.557/2022, que estabelece a concessão de pensão especial no valor de um salário mínimo mensal a pessoas com baixa renda com TEA nível 3, o mais severo, no qual a pessoa apresenta déficit elevado das habilidades de comunicação e de sociabilidade, o que resulta não só em incapacidade laboral, como restringe sua efetiva participação social.
A previsão, aprovada por unanimidade pelo plenário da Assembleia Legislativa, chegou a ser vetada pelo Executivo, porém o veto foi derrubado, sendo promulgada e convertida em lei estadual ainda em dezembro de 2022.
A importância do diagnóstico
Descrito como um transtorno de desenvolvimento que compromete as habilidades de comunicação e interação social, o autismo geralmente se evidencia até os três anos de vida. Nesse sentido, diagnóstico realizado ainda na fase infantil é tido como fundamental para fornecer o suporte e as intervenções adequadas no indivíduo. A despeito disto, têm sido cada vez mais frequentes os casos de adolescentes e adultos que procuram as unidades médicas do estado em busca da identificação do transtorno.
De acordo com o deputado Dr. Vicente Caropreso, que também atua como médico neurologista, a maior oferta de informações sobre o autismo na sociedade tem colaborado para que mais pessoas busquem este atendimento. Ele disse que a própria comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência rotineiramente promove seminários e capacitações nas diversas regiões do estado, levando profissionais especializados para falar sobre o tema.
“Como que acontece isso? Depois dos 18 anos, com o volume de informações disponíveis, a pessoa vai se comparando e analisando, e chega ao médico dizendo: eu acho que tem alguma coisa diferente em mim. E é assim que muitos casos são diagnosticados, já que não o foram em fase precoce, no início da vida, quando poderiam ser feitos inúmeros tratamentos e abordagens.”
Segundo disse, a confirmação da existência do transtorno tem o potencial de proporcionar um efeito transformador na vida de uma pessoa, que até então “lutava para se encaixar em um mundo que muitas vezes não compreende as suas necessidades”, tanto no ambiente escolar quanto no trabalho.
Esta visão foi confirmada por diversas pessoas que passaram pela experiência, como o professor de informática Paulo Rodrigo Reiter Cardoso, que atua na Apae de Gaspar. Em 2019, quando tinha 38 anos, ele obteve a confirmação de TEA, nível 1.
“Durante muito tempo na minha vida as pessoas diziam que eu era esquisito, que eu tinha um comportamento diferente, e um dia resolvi fazer um teste de autismo on line, em um site de um neuropediatra. Vi que a minha pontuação foi muito alta e então procurei a assistente social e um psicólogo da própria Apae de Gaspar, que me indicaram um neuropediatra para eu fazer um teste mais aprofundado. E nele foi comprovado que eu tenho autismo.”
O professor, que atualmente desenvolve aplicativos e ministra aulas para alunos com diversos tipos de deficiências, inclusive autismo, disse que recebeu o diagnóstico de forma positiva. “Para mim foi ótimo, porque com o laudo eu tenho algo que explica esse meu comportamento. Acho que as pessoas também mudaram o olhar sobre mim, passando a me entender melhor. Então, no meu caso, o diagnóstico ajudou muito, até mesmo com relação ao mercado de trabalho.”
Pensamento semelhante foi apresentado por Cindy Dalfovo, de 36 anos, advogada e mestranda em Educação, em Joinville. Ela disse que há três anos começou a desconfiar que tivesse autismo e iniciou uma pesquisa sobre isso, o que a levou a consultar profissional especializado. A confirmação para o transtorno, disse, proporcionou uma resposta a diversos questionamentos que a acompanharam durante a vida.
“É até meio dramático dizer isso, mas eu lido com pensamentos suicidas desde muito cedo e depois do diagnóstico passei a me entender melhor e a me respeitar mais. Eu consegui superar isso, sabe? Então foi o fim de um ciclo de mais de vinte anos, em que eu tinha muitas dificuldades em entender certas coisas, tinha certas dificuldades. Passei a me conectar com outras pessoas autistas, a ler as experiências delas, e então pude entrar em um ciclo de autocompaixão, para compreender melhor que eu não tinha um problema, só uma forma diferente de entender o mundo.”
Já Jonas Massaro, de 28 anos, que atua como psicólogo em Joinville, disse que o que o levou a buscar o diagnóstico em autismo foi a tia, que trabalha com educação inclusiva e especial em uma Apae.
A base para a investigação, iniciada quando tinha 18 anos, foram as estereotipias (comportamentos motores ou verbais repetitivos), ecolalias (distúrbio do desenvolvimento da fala e da linguagem) e o atraso no desenvolvimento motor, apresentados por ele. A isto, seguiu-se um acompanhamento neurológico, com a confirmação chegando há dois anos.
Ele afirmou que o processo de “violência e invalidação”, que sofria até então, mesmo dentro do núcleo familiar, deu lugar a uma experiência de “libertação”. Atualmente Massaro coordena uma entidade voltada ao atendimento de pessoas LGBTQIA+ e com deficiências.
“Todas as pessoas autistas com quem eu me relaciono, sejam pacientes no Vale PCD, pessoas que nos seguem ou amigos, sempre tiveram essa mesma confirmação que eu tenho, de que o diagnóstico é libertador. Porque você sai dessa categoria do estranho, do abjeto, e passa a ter um comportamento organizado, com vários estudos, e uma compreensão de sujeito, que inclusive é passível de desenvolvimento profissional, é passível de desenvolvimento pessoal e tudo mais.”
Agência Alesc