Publicado em: 21 de dezembro de 2025
Em versos graves, o poeta transforma a celebração em reflexão sobre a finitude e a importância de estarmos presentes.
Publicado na década de 1940, o “Poema de Natal” de Vinícius de Moraes é um dos mais radicais e desconcertantes sobre o tema
.
Nele, não há menção a festas, ceias ou alegria obrigatória. O poeta desloca o foco para o que considera a essência da condição humana: a memória, a perda, a quietude e a atenção ao mistério da vida e da morte. O nascimento celebrado exige, antes, consciência da fragilidade.
O poema constrói sua força a partir de uma enumeração de nossos feitos: “Para lembrar e ser lembrados / Para chorar e fazer chorar / Para enterrar os nossos mortos”. A figura do Natal surge como uma pausa solene, um convite a velar, a falar baixo e a pisar leve. É um momento de “gravidade simples”, que recusa o sentimentalismo fácil e embalado das datas comemorativas.
Abaixo, um trechinho do poema na íntegra, para que sua voz silenciosa e profunda ressoe diretamente:
“Para isso fomos feitos
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos
(…)
Pois para isso fomos feitos
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte
De repente nunca mais esperaremos…
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.”
Vinícius não oferece consolo, mas companhia. Não promete redenção, mas propõe uma ética do viver atento. O milagre, sugere, está na participação na poesia da vida e na capacidade de, mesmo diante da morte, ainda nascermos “imensamente”. Seu Natal é um estado de presença, um estar à altura da nossa própria impermanência.
Saiba mais:
O “Poema de Natal” foi escrito em um contexto histórico marcado pela Segunda Guerra Mundial e seus traumas, o que pode iluminar seu tom grave e contido. Vinícius, que serviu como diplomata, teve parte de sua formação e carreira profundamente afetada pelo conflito global. A obra integra a fase mais lírica e metafísica do autor, anterior à sua popularização como compositor da Bossa Nova. Críticos apontam que essa poesia ecoa um existencialismo cristão, onde a esperança coexiste com a aceitação da finitude, diferenciando-a profundamente da tradição natalina convencional no Brasil.