O professor Farizeu chorou. Sorriu. E chorou novamente. Os sentimentos, no entanto, não foram os mesmos do primeiro ao último pranto. Procurado por ex-alunos e colegas após ter sua situação exposta por GZH – das salas de aula para o desemprego e o despejo do imóvel -, ele foi integrado a uma rede de solidariedade.
A tristeza que abatia ao falar sobre a perda do antigo apartamento e a falta de oportunidades de trabalho deu lugar a lágrimas de felicidade com tudo o que lhe fora oferecido, em pouco mais de um dia: entrevistas de emprego, doações e depoimentos de quem conta ter saudade das antigas lições.
“Se não fossem tuas aulas, tua dedicação ferrenha em me passar um pouco do grande conhecimento que tens, eu não teria passado em Medicina na UFRGS”, escreveu o estudante Enrico Moretto, 22 anos, no Facebook.
“Provavelmente não vá lembrar de mim, mas eu nunca esqueço de ti, nem de tuas aulas”, enviou em uma mensagem Ângela Viriato Gomes, outra ex-aluna para o WhatsApp do professor.
Thomas Paulo Boettcher, 21 anos, foi além: escritor e estudante de psicologia na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, ele criou a campanha “Ajude o professor Farizeu”. Entre sexta-feira (2) e a manhã deste sábado (3), haviam sido doados R$ 42,8 mil, 123% da meta inicial.
– O trabalho dele, de auxílio de estudantes, vai bem além do cursinho. Nunca vi o Farizeu recusar atender. Em época de provas, vi muitos colegas indo a casa dele e tendo aula de graça – relembrou o criador da vaquinha.
No Twitter, uma postagem com o link da vaquinha alcançou 22 mil compartilhamentos – quase cem vezes o número de seguidores da conta da jovem Ângela Corti Pulga, 20 anos. Além do endereço que mobilizou 695 pessoas, em número de apoiadores que doaram valores dos mais variados, ela pediu ajuda:
O canal no Youtube Índio Poti, criado por Farizeu durante a pandemia, tem atualmente 1,2 mil inscritos, o triplo de dois dias atrás, números que foram acompanhados pela reportagem durante a semana.
Anteontem eu era um nada, sem muita perspectiva, arrastando pedras.
PROFESSOR FARIZEU
O docente, que sequer atende pelo nome de batismo, Alexandre de Tomaszewski, diz se emocionar com cada lembrança:
– Eu choro que nem criança. Parece que meu passado todo voltou, com elogios e gente relembrando as aulas. Locais que eu trabalhei, gente que dividiu casa do estudante comigo, distâncias criadas pela vida. O compartilhamento alcançou o Brasil inteiro – conta o professor, de 52 anos.
Desde que a história foi veiculada na Rádio Gaúcha, na última quinta (1), o especialista em história do Brasil teve quatro entrevistas agendadas com cursinhos que pretendem repatriá-lo ou oferecer algum tipo de parceria. Entre os colegas de profissão, foram sete ofertas para dividir a pequena sala do Índio Poti, idealizada para reforço escolar.
Há ainda uma mobilização de pais de alunos do Colégio Militar, onde o filho do professor Farizeu estuda, com intenção de contratar os seus serviços de forma permanente.
– Anteontem eu era um nada, sem muita perspectiva, arrastando pedras. Não tenho nem onde botar as doações, quando tiver meu lugar aceitarei todas – explica.
Um fogão e um notebook foram oferecidos. O dinheiro arrecadado, ele afirma ter destino certo: a compra de um apartamento para ele e o filho adolescente:
– Eu terei muito trabalho daqui pra frente, vou viver disso. E o dinheiro da vaquinha darei de entrada em algo que fica de legado pro Raffa – planeja.
O educador segue morando em Canoas, na Região Metropolitana, em um depósito de gás cedido pelo compadre. O adolescente adotado e criado por Farizeu desde o primeiro mês de vida, também foi acolhido pelo amigo. Já o quadro negro, da sala verde e amarela, não tem mais escrito “vai passar”. A frase foi substituída por outra, mais atual: “muito obrigado”.
Esta informação é do GZH de Porto Alegre